Chegamos ao último Tudo Sobre de 2022! E o tema escolhido na enquete do Instagram foi Transtorno de Personalidade Borderline. Vamos juntos em mais essa?
O Transtorno de Personalidade Borderline é marcado por instabilidade emocional, nas relações interpessoais e na autoimagem, além de comportamento impulsivo.
Para começar, é importante saber o que é personalidade. Diferente do que a maioria das pessoas entende, isso vai muito além de “jeito de ser”. É uma estrutura dinâmica e complexa, que envolve muitos fatores, como a autoimagem, aspectos fisiológicos, desenvolvimento e história de vida, aspectos socioculturais, inteligência, percepção, inibição e controle de impulsos, emoções… Para entender melhor como a personalidade se forma, o que interfere nela e quando se fala em transtorno de personalidade, recomendo a leitura deste outro texto: O que é personalidade
Um pouquinho de história
O Transtorno de Personalidade Borderline foi descrito pela primeira vez em 1938, pelo neurologista americano Adolph Stern (1879-1958). Observando o comportamento dos seus pacientes, ele percebeu que alguns deles reagiam de maneira exagerada frente às frustrações comuns da vida. Como uma psique que se derrama.
Desde então, a forma como se aborda e trata o Transtorno de Personalidade Borderline evoluiu bastante, ganhando descrições e critérios diagnósticos cada vez mais precisos.
Sintomas e Características
Desta vez os sintomas não serão divididos por fases da vida, pois transtornos de personalidade são diagnosticados apenas em adultos e, mais raramente, em adolescentes (abordaremos questões ligadas ao diagnóstico mais à frente). Vamos aos sintomas:
- Medo do abandono e esforços muito intensos para evitá-lo. O abandono pode ser real ou o paciente pode perceber certas situações como se fossem um abandono (ex.: atrasos, demora a responder uma mensagem, quando não é convidado para algo…). Lembrando que nem sempre o paciente usará este termo para relatar o sintoma. Pode dizer, por exemplo, que não gosta de ser “deixado de lado” ou “excluído”
- Em certos casos, há também o medo da rejeição (que tende a ser percebida como um tipo de abandono). Algumas vezes, também, alguns fatos que nem sempre são uma rejeição podem ser interpretados dessa forma pelo paciente (como quando alguém desmarca um compromisso, se demora a se abrir ou se envolver na amizade/relacionamento ou não dá tanta importância a algo que, para o paciente, era importante)
- Carência emocional: pode fazer com que o paciente exija de outras pessoas atenção constante, por exemplo, que passem muito tempo juntos, que se vejam com frequência, que se falem todos os dias, que a pessoa sempre conte tudo… quando isso não ocorre, pode perguntar (para a pessoa ou a si mesmo) se fez algo errado, se alguém falou mal dele para a pessoa, se foi grosseiro… O border sente que, se os relacionamentos não forem assim, bem intensos e próximos, a qualquer momento poderia ser abandonado, trocado…
- Relacionamentos interpessoais instáveis, tendem a alternar entre idealizar o outro ao extremo e desvaloriza-lo. Ex.: o “melhor amigo” pode passar a ser visto como falso ao desapontá-lo; o profissional que era visto como excelente pode passar a ser encarado como ruim ao pontuar algo de forma mais ríspida ou se atrasar, e por aí vai
- Relacionamentos e amizades muito intensos, geralmente evoluem muito rápido, a intimidade não é construída pouco a pouco
- Ao mesmo tempo, existe o medo de ser enganado, traído ou usado, o que pode ser fonte de estresse intenso
- Esse padrão nos relacionamentos traz fatores como crises de ciúme, tentativas de controlar o outro e até mesmo se submeter a amizades e relacionamentos abusivos e complicados ou se colocar em risco por medo de ficar sozinho
- Baixa tolerância a frustrações, muitas vezes, até mesmo às frustrações mais corriqueiras da vida adulta, pois o paciente percebe e sente esse tipo de situação de forma muito mais intensa que o habitual, aumentando muito o estresse e a instabilidade emocional, o que dificulta a busca por soluções
- Pode ser vulnerável a vícios e compulsões (por comida, álcool, substâncias, compras, sexo, jogos…)
- Perturbações da identidade: dificuldade com a autoimagem e com a maneira como o paciente percebe a si mesmo. Pode ter autoestima baixa e problemas de autoconfiança, acreditando que os outros não gostam dele por se achar feio, chato, desinteressante, mesmo que isso não seja verdade. Algumas vezes, pode ter comportamentos pontuais de narcisismo como forma de camuflar a baixa autoestima (lembrando: o paciente não percebe essa dinâmica).
- Comportamento impulsivo, com chances de gerar riscos ou problemas mais sérios, geralmente afetam áreas como: finanças/gastos impulsivos, vida sexual, compulsão alimentar, dirigir de forma arriscada ou abuso de substâncias
- Comportamentos suicidas ou ameaças de suicídio recorrentes
- Comportamento de automutilação ou autolesão
- Emoções intensas e instáveis: flutuação de humor, crises de raiva ou irritação, ansiedade extrema, episódios de humor depressivo… Essas emoções são inconstantes, instáveis, ou seja, podem durar algumas horas ou poucos dias
- Dificuldade para controlar a raiva, pode demonstra-la de forma intensa e imatura, algumas vezes em locais ou situações pouco adequados, seja na forma de irritação intensa, sarcasmo, agressividade e até mesmo amargura
- Após esssas explosões emocionais, é comum se sentir uma pessoa ruim, se sentir culpado ou arrependido (lembrando que isso não é premeditado, o paciente tem muita dificuldade para controlar essa demonstração das emoções e realmente se sente mal após esses episódios)
- Distúrbios do sono, geralmente insônia ou hipersonia (muito sono), relacionados aos conflitos emocionais
- Sentimento constante de vazio: pode incluir sensações como desesperança, falta de motivação, apatia, tédio, impressão de que as coisas perderam o sentido e mesmo a perda rápida de interesse por coisas/atividades/pessoas que antes idealizava. Pode haver o desinteresse e dificuldade de se envolver com a própria realidade, ter metas e projetos próprios – os de outras pessoas podem parecer mais intensos e interessantes
- O sentimento de vazio pode levar a uma busca muito intensa por algo melhor para fazer, por experiências intensas e diferentes, por relacionamentos mais intensos
- Mudanças súbitas e mais frequentes que o comum nos interesses, nas metas, no grupo de amigos, na carreira…
- Tendência a se sabotar: desistindo ou perdendo o interesse quando já está próximo de atingir um objetivo. Por exemplo, largar os estudos estando prestes a se formar, desistir de um trabalho promissor, terminar um relacionamento mais tranquilo que estava indo bem ou se afastar de amizades mais equilibradas e até abandonar o tratamento ao notar pequenos sinais de melhora
- Muitas vezes precisa de incentivos constantes para seguir em frente com seus projetos
- Pensamento maniqueísta: o famoso 8 ou 80. Ou seja, pode ter dificuldade para encontrar o meio termo, ou as pessoas e situações são vistas como excelentes ou como as piores, falsas, horríveis… Além disso, a mudança drástica de opinião pode acontecer (alguém visto de forma idealizada passar a ser visto com inimizade, como falso…)
- Pode apresentar dificuldades em funções neuropsicológicas específicas, como na atenção, foco, planejamento e memória recente
- Podem ocorrer sintomas psicóticos transitórios, ou seja, não acontecem o tempo todo e são de curta duração, geralmente surgem em situações de muito estresse. Entre esses sintomas, podem ocorrer alucinações e delírios (geralmente, delírios paranóides, como acreditar que todos os colegas são falsos, que estão excluindo ou falando mal dele pelas costas…). Um dos tipos de sintomas psicóticos mais comuns nestes casos é a dissociação – uma sensação de descontinuidade que afeta o pensamento, as emoções, a percepção do ambiente e até as memórias. É comum numa crise dissociativa queixas como não se recordar de como fez algo (do trajeto para chegar a algum lugar, por exemplo), sons e impressões do ambiente distanciados, ausência de pensamentos ou de emoções (como se tivesse a “cabeça vazia”), estar desconectado (dissociado!) do ambiente e de si mesmo.
Como estamos falando de personalidade, cabe aqui notar outras características, que não são algo sobre o que alguém se queixaria. Alguns exemplos:
- Por terem esse apego a outras pessoas, muitas vezes o paciente borderline tende a ser muito dedicado, acolhedor e sensível às necessidades de pessoas queridas
- Muitas vezes, são pessoas espontâneas e expressivas, afinal, emoções agradáveis também podem ser demonstradas em sua intensidade e sem se reprimir
- Podem ter extremo apego a um objeto especial ou animal de estimação, esse apego intenso tende a fazer com que se sinta mais confiante
- Esse jeito mais livre de se expressar muitas vezes também torna essas pessoas bastante criativas, tanto num sentido artístico quanto para sugerir novas soluções
É verdade que o Transtorno de Personalidade Borderline melhora com a idade?
O Transtorno de Personalidade Borderline tende a ser mais comum em pacientes mais jovens.
Conforme as pessoas amadurecem, é comum que deixem de se chatear, de se irritar ou magoar com tipos de situações que, quando mais jovens, era mais complicado lidar. E essa dinâmica também tende a acontecer com o paciente borderline. Embora não seja uma regra, é comum que na faixa dos 30-35 anos os sintomas diminuam de intensidade, e podem até deixar de estar presentes na faixa dos 45 anos.
No entanto, cabe aqui alertar que melhora é diferente de cura. Por isso, deixar de ter crises e ter atenuação ou remissão de sintomas não significa cura. Afinal, a personalidade é algo estável, como dissemos no início do artigo. Ou seja, é possível deixar de apresentar os sintomas, ou apresentá-los em menos intensidade e, num momento de crise ou num grande desafio da vida, voltar a tê-los. Portanto, a melhor atitude é sempre que observar qualquer mudança ou piora na saúde mental, relatar isso aos profissionais que te acompanham.
Como saber se sou borderline ou se apenas sou mais intensa nas minhas emoções, ou mesmo se estou num momento de mais carência emocional?
Como acabamos de ver, a intensidade emocional é apenas um dos sinais do Transtorno de Personalidade Borderline. Ou seja, intensidade emocional por si só não é o suficiente para se chegar a este diagnóstico.
Da mesma forma, todas as pessoas podem ficar mais “carentes” de vez em quando, especialmente nos momentos em que se sentem vulneráveis, como após uma perda significativa. Como vimos, no caso do borderline, essa característica é algo constante e presente desde a adolescência ou início da vida adulta. Não é uma reação a uma fase delicada.
Além disso, é sempre importante observar outros critérios diagnósticos, como o prejuízo em pelo menos duas áreas da vida, comportamento impulsivo, explosões emocionais, comportamento suicida ou autodestrutivo recorrente, pouca tolerância à frustração, medo do abandono, relacionamentos intensos e instáveis…
Aproveitamos para destacar que o diagnóstico correto é muito importante para um tratamento eficaz. O autodiagnóstico é perigoso, pois pode levar a erros, atrasar o tratamento e prejudicar o paciente. Por isso, o mais indicado caso você se identifique com os sintomas e características é procurar um profissional de saúde mental para ter o diagnóstico correto e iniciar o tratamento (conheça nossos serviços).
Quais as causas do Transtorno de Personalidade Borderline?
- Genética
- Aspectos fisiológicos
- Aspectos neuropsicológicos
- Eventos complicados na infância, como ter sofrido violência, abuso sexual, maus tratos, negligência e até ter crescido numa família com dinâmica pouco funcional
Comorbidades mais comuns
Como já vimos em outros Tudo Sobre, os transtornos mentais nem sempre vêm sozinhos. Vamos ver as principais comorbidades que tendem a surgir no Transtorno de Personalidade Borderline.
- Dependência química/abuso de substâncias
- Transtornos de humor como a depressão
- Transtornos de Ansiedade, como TAG (Transtorno de Ansiedade Generalizada), Síndrome do Pânico, TEPT (Transtorno do Estresse Pós-Traumático)
- Transtornos alimentares
- Distúrbios do sono
Cérebro e Transtorno de Personalidade Borderline
Quanto aos aspectos neuropsicológicos, podemos destacar:
- Diminuição no volume da amigdala cerebral, relacionada ao medo, agressividade e sexualidade – quanto menor a amigdala, maior a sua atividade
- Alterações no hipocampo, área cerebral relacionada à memória, participa também da tomada de decisão, ou melhor, da escolha da resposta emocional frente às situações vividas, processa informações trazidas pelo corpo e atua na orientação espacial. No cérebro borderline, o hipocampo é mais ativo do que em outras pessoas, o que faz com que o paciente interprete mal o mundo ao seu redor, percebendo mais (ou com maior intensidade) situações de estresse e ameaça
- Disfunções no córtex pré-frontal traz impulsividade e sintomas cognitivos, assim como prejuízos em funções como a atenção, o planejamento e a flexibilidade cognitiva. Isso dificulta o processamento cerebral, especialmente de situações relacionadas a frustrações e traumas
- Desequilíbrio nos níveis de dopamina, neurotransmissor relacionado a funções como a regulação do humor, controle do estresse, atua na memória, concentração, apetite, sono, entre outras funções. As alterações nos níveis de dopamina trazem sintomas ligados à cognição, à percepção, sono e apetite
- Desequilíbrio nos níveis de serotonina, que regula função cardíaca, sono, apetite, temperatura corporal, participa do processo de memória, entre outras funções
- Desequilíbrio nos níveis de noradrenalina, que atua na regulação do humor, atenção, concentração e memória, também atua nas funções cardíacas, afeta a respiração, o nível de glicose no sangue etem uma importante atuação em situações de perigo ou ameaça
- Aumento nos níveis de cortisol, substância que o organismo produz em situações de estresse
Sou borderline, quais orientações são importantes?
- Aprenda tudo o que puder sobre o transtorno. É muito mais complicado lidar com aquilo que a gente não conhece
- Mais uma vez: autodiagnóstico é cilada! Se você não tem um diagnóstico formal, realizado por profissionais da saúde, mas se identifica com os sintomas e acredita que poderia ser border, o mais acertado é ir a um profissional da sua confiança
- Siga os tratamentos do jeitinho como seus profissionais recomendaram e sempre avise-os se sentir algo diferente, como alterações no sono ou no humor, dificuldade de concentração, alterações no apetite, pensamentos sobre suicídio… Nós, profissionais, estamos do seu lado para o que der e vier! Por isso, não precisa ter receio de falar com a gente
- Rotina é um ponto importante para a estabilidade em diferentes sentidos (nas relações e amizades, no dia a dia, estabilidade emocional…) Por isso, seguir uma rotina que cabe nas necessidades do seu dia a dia pode fazer toda a diferença
- Muitos dos sintomas pioram com o estresse. Por isso é legal conhecer e adotar práticas de controle do estresse, como exercícios de respiração, relaxamento muscular, técnicas de atenção plena, atividade física, incluir pequenas pausas na rotina, contato com a natureza…
- Aprenda a reparar em coisas pequenas e simples do dia a dia. A vida não tem glamour todos os dias (a de ninguém!) Pequenas coisas dão colorido para a vida
- Não se compare. Em especial, não compare o seu primeiro passo com os resultados de outra pessoa. As coisas levam tempo e é preciso viver o processo (partes menos empolgantes fazem parte e, mesmo nem sempre mostrando, todo mundo passa por elas)
- Desenvolva o hábito de sempre se questionar. Sabe aquela história de “nossa mente às vezes mente”? É bem real (com todas as pessoas, viu?) Então, uma boa estratégia é aprender a observar as situações como se estivessem acontecendo com outra pessoa. Isso pode ajudar a perceber se você está percebendo as coisas de forma coerente ou se está exagerando ou até mesmo interpretando mal os fatos e intenções das pessoas
- Procure canalizar a vontade de novas experiências ou de algo intenso para atividades seguras (um esporte radical ou até mesmo se desafiar a tentar algo novo), evitando correr riscos desnecessários
- Escolha com sabedoria as suas amizades, perceba com cuidado quem é de confiança, quem realmente se importa com você. Não deposite expectativas em pessoas que você acabou de conhecer e que, talvez, não estejam tão envolvidas quanto você supõe. Nem sempre aqueles amigos mais intensos e que aceitam tudo são realmente bons amigos…
- Perceba que cada pessoa tem necessidades afetivas diferentes. Algumas são mais intensas, outras menos, algumas são mais tímidas e contidas, algumas são comunicativas e espontâneas, enquanto outras são introvertidas e precisam de algum tempo a sós para se sentirem bem. E tá tudo certo! Nada disso muda o carinho entre as pessoas, nem define uma amizade ou relacionamento como bom ou ruim.
- Aprenda a perceber quando/como você se sabota. Muitas vezes as dificuldades de autoestima e/ou autoconfiança fazem com que as pessoas sintam vontade de desistir de projetos, relacionamentos ou atividades em que poderiam se sair muito bem
- Está se percebendo mais irritado que o seu habitual, ou mais entediado, mais triste, com vontade de se cortar ou se agredir ou mesmo de desistir de coisas que são importantes para você? É o momento de pedir ajuda e visitar os profissionais que te acompanham. As coisas não precisam ser assim.
- Para se lembrar todos os dias: não deixe o transtorno te parar! Você merece coisas boas na sua vida e é capaz de construir uma vida bonita e interessante
Convivo com alguém que tem Transtorno de Personalidade Borderline. O que preciso saber?
Qualquer que seja o diagnóstico, sempre digo aos meus pacientes e aos familiares deles que conhecer bem o transtorno é um ponto fundamental. Sugiro a leitura deste outro texto – como apoiar alguém que está enfrentando um transtorno mental. Vamos a algumas dicas práticas:
- Separe o que é a pessoa e o que é característica do transtorno, e não leve para o lado pessoal aquilo que não representa a pessoa
- Incentive a buscar tratamento e a sempre seguir as orientações dos profissionais
- Não fique implicando ou questionando o diagnóstico. Além de ser super inconveniente, não ajuda em nada
- Seja bastante específico e firme nos seus limites, diga com precisão aquilo com o que você não fica confortável, como a pessoa pode ou não se expressar com você. Ou seja, conheça e respeite os seus próprios limites, não adianta ficar mal para tentar deixar o outro feliz, relações e amizades não prosperam desse jeito.
- O mesmo vale para regras que vocês tenham estabelecido em uma atividade ou no relacionamento de vocês: cumpra-as conforme combinado e não aceite postura diferente por parte da pessoa
- Sempre que possível, explique com detalhes o que está acontecendo ou qual a sua intenção. Por exemplo: “não estou te deixando de lado, gosto de você e da nossa amizade, mas esta é a semana de provas na faculdade e preciso muito ficar aqui quietinha para estudar. Que tal a gente fazer alguma coisa juntas no fim de semana?”
- Encoraje a pessoa a falar de si. Pergunte como foi o dia, o que ela gostaria de fazer, demonstre interesse pelos projetos dela (e, óbvio, seja sincero nessa demonstração)
- Incentive sempre! Muitas vezes o border se sabota, larga planos que estavam indo bem quando estão prestes a conseguir ou simplesmente sentem pouca confiança em si para levar seus projetos em frente. Uma palavra amiga, um incentivo na hora certa pode fazer uma diferença imensa! Eles são capazes de conquistar muitas coisas quando conseguem manter o foco e deixar a insegurança de lado
- Quando pertinente, mostre dados de realidade. Por exemplo, na maioria das vezes as pessoas não tomam as atitudes que tomam por não gostar delas, ninguém é falso por ter interesses diferentes, as pessoas podem ter tempos diferentes para se envolver num relacionamento/amizade, nem sempre quando alguém se afasta é por estar excluindo ou abandonando (as outras pessoas também podem ter dificuldades, transtornos ou mesmo passar por maus bocados na vida…)
- Você percebeu que tem algo diferente? A pessoa está mais triste, está se cortando ou se agredindo de alguma forma, fala muito em morte e em suicídio? Não é besteira! Esse risco existe e infelizmente é muito sério. Ajude seu amigo ou familiar a buscar ajuda profissional (cabe alertar um familiar ou alguém próximo, ou mesmo se oferecer para acompanhar a pessoa até a clínica se tiverem intimidad, por exemplo)
- E nada de preconceito! Não reduza a pessoa a uma lista de sintomas. Obviamente que aqui falamos de características da forma mais geral possível. Mas no dia a dia, cada pessoa tem sua história, seus planos, sintomas mais intensos ou menos intensos… Conheça a pessoa, ela é muito mais que uma lista de sintomas – e sim, podem ser pessoas incríveis e ótimos amigos.
Como é o tratamento?
O tratamento combina psicoterapia e medicação (geralmente antipsicóticos e estabilizadores de humor). Com o tratamento adequado, os sintomas tendem a ficar controlados, permitindo ao paciente seguir normalmente sua vida, com mais qualidade e bem-estar. Quando os sintomas são persistentes, estimulação magnética transcraniana pode ser uma boa opção.
Outra vez, destacamos a importância do diagnóstico cuidadoso, realizado por profissionais. Transtornos mentais não são bobagem nem modinha. Trazem risco à vida e precisam receber cuidados com todo o respeito e dignidade que o paciente merece.
Comorbidades precisam ser diagnosticadas adequadamente para que também sejam tratadas. Uma comorbidade não tratada pode dificultar o controle dos sintomas.
Entre colegas: orientações para profissionais da saúde
- Sobre o diagnóstico: transtornos de personalidade são diagnosticados apenas na fase adulta e, mais raramente, na adolescência. O DSM-5 aponta que, ao diagnosticar adolescentes, os sintomas precisam estar presentes há no mínimo 1 ano. No caso de adultos, é importante verificar se os sintomas estão presentes desde a adolescência ou início da fase adulta. E sempre realizar um ótimo diagnóstico diferencial, verificando se os sintomas apresentados poderiam ser melhor explicados por outros transtornos. Avaliação neuropsicológica pode ser uma excelente escolha: além de oferecer um panorama das funções neuropsicológicas, explora aspectos afetivos, dinâmicas de comportamento e traços de personalidade. Isso significa um diagnóstico seguro, com rastreio de possíveis comorbidades e indicação de tratamento assertivo para o seu paciente.
- Óbvio, mas é sempre importante lembrar: é fundamental que o paciente borderline seja atendido por psicólogo e psiquiatra, e é importante que os profissionais conversem sobre o caso, que atuem em equipe. Nenhum dos tratamentos é mais importante que o outro, ambos são necessários para manter o paciente estável e melhorar sua qualidade de vida
- Explique com precisão como o tratamento irá funcionar (em especial a psicoterapia). Estabeleçam regras e limites, e é importantíssimo que o profissional também cumpra as regras estabelecidas. Isso pode incluir desde aspectos práticos/burocráticos como horários, avisar sobre faltas com antecedência, até pontos sobre o sistema de trabalho terapêutico
- Avalie com cuidado quais sintomas e situações mais incomodam seu paciente e comece o tratamento por esses pontos (nem sempre é algo óbvio e nem sempre é a queixa em si)
- Foque bastante no controle do estresse – como vimos, os sintomas podem piorar quando o estresse aumenta. Ensine o seu paciente sobre técnicas de controle do estresse, pratique com ele na consulta até que ele entenda e se habitue e oriente-o a pratica-las todos os dias
- Ensine o paciente a se monitorar, a identificar sinais de aumento de estresse e de possíveis crises
- Sempre rastreie e observe qualquer sinal de risco de suicídio no seu paciente – isso vai além da ideação suicida ou de comportamento de autolesão, inclui piora na instabilidade emocional, aumento dos comportamentos de risco e do sentimento de vazio, por exemplo
- Como existe risco de suicídio e de crises mais sérias, é importante que o paciente e/ou o familiar tenha um número de telefone/whatsapp para entrar em contato com você caso seja necessário e que sejam orientados sobre como proceder numa crise. Lembrando também que a crise suicida é uma emergência e pode receber tratamento inicial/emergencial numa unidade de pronto-atendimento.
- Explicaque o que é uma emergência, afinal, a ideia de oferecer um número de telefone que não o do consultório não é contar a vida em tempo real no whatsapp, nem fazer amizade
- Seu paciente está com risco alto de suicídio? Além de rever a medicação e o tipo de tratamento, é importante avisar um familiar/cônjuge sobre este risco (ah! No início do tratamento, quando estabelecerem as regras e combinados, avise que você entrará em contato com um familiar caso perceba o aumento desse risco e peça ao paciente que deixe ao menos um contato de confiança). Nesses casos, oriente o familiar a tomar medidas preventivas (ex. retirar objetos cortantes do alcance do paciente). Nessas situações, até que o paciente se apresente fora de risco, você profissional não bebe, não sai da cidade, dorme com o celular perto da cama e deixa sua roupa prontinha ali ao lado para ser ágil em caso de necessidade. Caso você precise se ausentar ou por algum motivo não esteja disponível, sempre deixe um colega de sobreaviso (e deixe o número desse colega com o paciente/familiares).
- Sobre vínculo em psicoterapia: é um ponto fundamental para qualquer tipo de caso, e mais ainda no cuidado ao paciente borderline. Sempre digo aos meus alunos de supervisão que vínculo e empatia não é sobre sorrisos, mas sim sobre atitude. É importante adotar uma postura ética e transparente, sempre avisando e pontuando como estão indo, quais os próximos passos, se pode se atrasar devido a um contratempo, se hoje existe a chance de receber uma ligação durante a consulta… O vínculo não se rompe com um simples atraso (por exemplo) mas com as atitudes que envolvem a situação. Lembra, não é sobre estar sozinho, mas sobre se sentir solitário. Da mesma forma, ter regras muito bem estabelecidas é algo muito relevante – regras não são apenas sobre o que “não pode”, mas também sobre o que pode, como/quando pode e, especialmente, sobre como as coisas vão funcionar. As regras e combinados ajudam a trazer para o mundo concreto a forma como será a dinâmica da relação terapêutica de vocês. Com isso, elas melhoram a aderência do paciente ao tratamento e reduzem a angústia sobre ser abandonado pelo profissional.
- Parece óbvio, mas não é: vamos deixar de preconceito?! Seu paciente não é um DSM ambulante! É um ser humano com medos, sonhos, com uma história… Quando a gente estuda um transtorno é normal tentar perceber os sintomas da forma mais geral. Mas dentro do consultório a coisa precisa ser diferente. A gente precisa olhar para a pessoa que está lá, de ser humano para ser humano. Precisa conhecer, deixar a pessoa se mostrar, ter perspicácia para notar como aquela lista de sintomas se mostra no paciente de um jeito único. Sabe, quando abri a caixinha para escrever este Tudo Sobre, uma pessoa com TPB me enviou mensagem relatando como alguns profissionais são preconceituosos e já partem do princípio que por ser borderline, a pessoa será manipuladora. E isso não é verdade! É muito desanimador perceber o quanto o mundo pode ser um lugar cheio de preconceitos para pessoas com algum transtorno mental, mas quando esse preconceito vem de colegas da área da saúde (que escolheram cuidar, e não julgar!) isso é algo triste e revoltante. Todo paciente merece um tratamento digno e cuidadoso, precisa sentir que estamos ao lado deles e não contra eles.
Quer citar este texto no seu trabalho? Legal! Pode citar assim:
CARUNCHIO, Beatriz Ferrara. Tudo Sobre: Transtorno de Personalidade Borderline; Inspirati Soluções em Saúde Mental, 2022. Disponível em: <https://inspiratisaudemental.com/2022/11/30/tudo-sobre-trans…idade-borderline/> Acesso em 17 de dezembro de 2022.