“Qual foi a experiência que mais te marcou trabalhando na área da saúde?” – essa pergunta chegou para mim um tempo atrás na caixinha do Instagram.
Como é estranho olhar para trás depois de 15 anos de formada e ter de escolher apenas uma lembrança. Pensei nos casos mais complicados que já atendi, nos livros que publiquei, no meu primeiro paciente, pensei na alegria da formatura e até mesmo na emoção da minha mãe quando soube que eu seguiria os passos dela… E me dei conta que apesar de muitos acontecimentos terem sido marcantes, um deles foi especial – e aconteceu muitos anos antes de eu sequer prestar vestibular!
Eu tinha 8 anos. Minha irmã, ainda bebê, amanheceu com febre e fui com a minha mãe levá-la ao pronto-socorro. Lembro que o PS estava cheio e esperamos bastante tempo.
Sabe, eu fui uma criança muito quieta e introvertida. Quase não falava, não era nada agitada, mas amava observar, tentar entender o motivo das coisas serem da forma que são. E via com muita atenção como o médico fazia para examinar minha irmãzinha, o que perguntava para a mãe, como ouvia o coraçãozinho da nenê… Fiquei lá observando como era ser médico.
Ele parecia muito cansado, era um senhor com seus 55 anos mais ou menos. Até que, já rabiscando o receituário, o médico me perguntou o que eu queria ser quando crescesse.
-Queria ser médica ou psicóloga ou coisa assim. Mas não sei se daria certo porque não consigo ficar feliz ou achar legal quando alguém fica doente ou se machuca.
O médico parou o que estava fazendo e olhou sério para mim. Por alguns momentos achei que levaria uma bronca daquelas! Às vezes eu fazia comentários sem pensar. Mas não foi o que aconteceu:
-Eu também não fico feliz vendo as pessoas ficarem doentes. Mas em algum momento da vida, as pessoas vão se machucar ou adoecer ou sofrer. Não dá para evitar isso, mesmo que elas tomem muito cuidado. E quando isso acontece, é importante ter alguém que saiba o que fazer para cuidar delas.
Doutor, nunca mais nos vimos, não sei seu nome nem nada sobre você, mas seu comentário marca a minha prática clínica até hoje. Naquele dia, nessa conversa infantil, tão simples e breve, o senhor mudou a minha história. Escolhemos cuidar!
Foto: Essa sou eu aos 8 ou 9 anos, no quintal da casa da minha avó.