Vamos de post de estudos? Vamos! Hoje vamos ver um pouco da história da neuropsicologia e como essa área super interessante se tornou o que é hoje.
Introdução: da Antiguidade à Idade Moderna
William Osler foi um médico canadense que, em 1913, foi o primeiro a adotar o termo neuropsicologia para se referir ao estudo das funções mentais, cognição e emoções e sua relação com o cérebro, mas a história das neurociências é muito mais antiga.
Milênios atrás, o ser humano já realizava trepanações no crânio, isto é, neurocirurgias rudimentares. Surpreendentemente, registros fósseis mostram que muitos pacientes sobreviviam por diversos anos após o procedimento.
No Egito Antigo e em diferentes culturas da época, o coração, e não o cérebro, era visto como sede dos nossos desejos, medos, pensamentos e emoções.
O médico grego Alcméon de Crotone (século VI a.C.) foi o primeiro a ir contra este pensamento. Além de inaugurar o método experimental na área biológica, dissecando cadáveres, concluiu que aquilo que nos governa não está no coração, mas sim no cérebro.
Hipócrates (século V a.C.) ampliou essa ideia, afirmando que transtornos mentais e neurológicos não eram ação sobrenatural, como castigo divino ou algum mal causado por demônios, e sim algo natural, originado de problemas cerebrais.
Mais tarde, no século II a.C., Galeno percebeu que as funções mentais/cognitivas se localizavam no cérebro.
Estes conhecimentos, que hoje em dia parecem óbvios, significaram um grande passo para a medicina e as neurociências que surgiriam muitos séculos depois, pois até então havia uma intensa polêmica sobre o assunto. O comum na época era considerar o coração como sede dessas funções. Veja na linguagem popular, até hoje, como dizemos “siga o seu coração”, “falar de coração”…
Estas foram as bases das neurociências por muitos séculos, sem grandes mudanças. Apenas no século XVII o filósofo Descartes voltou a tocar nesse assunto com mais consistência, levantando outra polêmica: de onde viria a mente ou a consciência (que ele denominava “alma”)? Ele era um entusiasta do dualismo, ou seja, ele via corpo e alma, ou, na linguagem da ciência atual, cérebro e consciência, como coisas distintas e separadas. Na Idade Moderna, uma preocupação comum era sobre a alma/psique, qual seria sua origem e seu papel na vida do ser humano.
1º Período: 1860 a 1905
Com os avanços científicos do século XIX, surgem os estudos localizacionistas, isto é, que tentavam associar certas funções e comportamentos a determinadas áreas cerebrais. Para isso, os cientistas se valiam de estudos de casos dos seus pacientes, o que podia ocorrer de duas maneiras: a primeira era verificar as alterações na cognição, emoções e comportamentos de pacientes que tiveram lesão cerebral, relacionando essas sequelas às áreas lesionadas.
A segunda forma de estudo implicava em dissecar o cérebro de pacientes com determinados transtornos, deficiências intelectuais ou alterações comportamentais (lógico, só após a morte do paciente!), buscando perceber diferenças entre o cérebro dessas pessoas ao compará-los ao cérebro saudável.
Surpreendentemente, algumas dessas áreas se provaram realmente corretas e permanecem até hoje, tendo recebido o nome de seus descobridores, como a área de Broca (relacionada à linguagem) e a área de Wernicke (compreensão da fala).
2º Período: 1905 a 1940
Descobertas de estudos do período anterior premaneciam em voga e davam resultados tardios, como as áreas de Brodmann, mapeamento das funções nervosas superiores (como linguagem, atenção, modulação do comportamento emocional, raciocínio lógico…), um mapa completo do córtex cerebral (a camada mais externa do cérebro) publicado em 1909. O mapa das áreas de Brodmann foi, desde então, periodicamente revisado e atualizado.
Ao mesmo tempo, surgia uma corrente de estudos antiassociacionista, que rejeitava os objetivos e métodos do período anterior, acreditando que os processos mentais não poderiam ser decompostos em subprocessos, pois para os cientistas do segundo período, a expressão dos fenômenos mentais era algo mais complexo do que os processos neurológicos envolvidos.
Nesta fase, sistemas psicológicos como a Gestalt tiveram grande influência na neuropsicologia e nas neurociências.
Dizemos que esta foi uma fase “pré-científica” no sentido de usar amostras bem pequenas, fazendo praticamente apenas estudo de caso baseados em observação e abandonando grande parte do cientificismo característico do período anterior.
Nada parecido com a neuropsicologia e as neurociências de hoje em dia, não é mesmo? Vamos passar para o próximo período para saber como essa história se desenrola!
3º Período: 1945 a 1970
Nesta fase, foi preciso superar os problemas do período anterior, especialmente quanto ao método científico. Assim, os estudos de caso foram trocados por amostras grandes, os dados dos pacientes passaram a ser comparados aos de pacientes saudáveis da mesma faixa etária, e a simples observação foi trocada pelo uso de instrumentos como testes, para os quais era realizado todo um estudo de validação antes de serem utilizados, tornando a mensuração de certos processos cerebrais, comportamentos e habilidades algo que podia ser quantificado, comparado ao restante da amostra e, assim, seria possível buscar tratamentos mais eficientes. Neste período floresceu a avaliação neuropsicológica, com o surgimento de muitos testes, intrumentos e procedimentos com esta finalidade.
4º Período: décadas de 1970 e 1980
Neste período a atenção dos neurocientistas se voltou para a forma como o cérebro processa as informações, enfatizando a Neuropsicologia Cognitiva.
Os modelos teóricos passaram a vir cada vez mais de estudos de laboratório.
Outro marco da época é o destaque dos estudos com sujeitos saudáveis, não mais apenas patologias e transtornos.
Também nesta época, foram divulgados e enfatizados estudos de fases anteriores, como os de Alexander Luria, que via o cérebro com destaque para diferentes sistemas funcionais, e a localização das funções cognitivas como algo dinâmico, que envolve áreas diversas e é fortemente influenciado pela cultura, meio social, ou seja, pela forma como o cérebro de cada pessoa foi estimulado e habilitado, pela educação que cada um recebeu, pelas experiências que teve e pela forma como processou e deu sentido a tudo isso.
5º Período: 1990 em diante
A década de 1990 é considerada a “década do cérebro”, neste período os conhecimentos das neurociências avançaram tremendamente. Novas tecnologias, como os exames de imagem cada vez com mais precisão foram de grande valia, permitindo ampliar a compreensão do cérebro e das funções neuropsicológicas.
Um exemplo disso foi o estudo de M. Glasser, de 2016, que ampliou as 52 áreas de Brodmann para 180 áreas, definidas, inclusive, quanto à espessura do córtex. Este foi um avanço imenso para os processos de diagnóstico e tratamento, tornando tudo muito mais preciso e assertivo.
Também surgem exames de neuroimagem casa vez mais refinados, como a tractografia, um exame baseado em ressonância magnética que, através de um software, mostra os caminhos que as moléculas de água percorrem na substância branca do tecido cerebral. Em outras palavras, a tractografia nos mostra os “caminhos neurais”, a trajetória que as informações percorrem no cérebro através das sinapses (os tratos ou tractos).
Algo que antes eram hipóteses e que agora observamos na prática com exames de imagem e testes neuropsicológicos refinados, é que as vias neurais, formas de processamento de certos tipos de informação e até mesmo algumas áreas cerebrais podem ser diferentes para cada cultura e até para cada pessoa, dependendo da educação, história de vida, história clínica, visão de mundo…
Hoje em dia…
Na fase atual, ganham destaque aspectos clínicos, como a avaliação neuropsicológica, um conjunto de testes, procedimentos e atividades que busca conhecer o perfil neuropsicológico do paciente, incluindo funções como memória, atenção, linguagem… mas também aspectos afetivos/ emocionais, sociais e de personalidade.
Com esses dados, é possível ter uma base completa do funcionamento do paciente, além de planejar o tratamento e as intervenções de maneira assertiva, tornando todo o processo muito mais ágil e seguro. Após a avaliação, os próximos passos podem incluir reabilitação (no caso de haver funções neuropsicológicas com algum déficit), psicoterapia, encaminhamento para outros profissionais (psiquiatra, neurologista, fono, terapeuta ocupacional… conforme cada caso).
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CARUNCHIO, Beatriz Ferrara. História da Neuropsicologia; Inspirati Soluções em Saúde Mental, 2022. Disponível em: <https://inspiratisaudemental.com/2022/06/20/historia-da-neuropsicologia> Acesso em 29 de junho de 2022.
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